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Ação coletiva para reduzir stress e mudar a Escola

A ação coletiva é o meio de assegurar as condições de trabalho aos professores, para lhes reduzir o stress profissional e ser possível mudar a Escola. Esta foi uma ideia transversal no seminário “Desgaste Profissional Docente: Causas, Consequências, Medidas a Tomar”, que teve lugar no auditório do SPM, nos dias 15 e 16 de julho de 2016, e contou com a abertura de Francisco Oliveira, coordenador do SPM.

Este sindicalista sublinhou a importância de prevenir e procurar soluções para os fatores que stressam os docentes e sublinhou aquilo que o sindicato e a Fenprof têm feito, nomeadamente na defesa da aposentação aos 36 anos de serviço.

Técnicas anti-stress e as causas do stress

Carlos Alberto Gomes falou em assumir «estratégias de forma coletiva», Nélio Sousa deixou, no slide final da apresentação, o apelo «congreguemos vontades» e Marcelino Mota referiu a «solidariedade» e o «ambiente de interajuda». Face à dispersão de vontades e ao salve-se quem puder na sociedade atual, congregar as pessoas (professores e demais intervenientes no processo educativo) para uma ação coletiva de mudança social e da Escola é, no mínimo, uma tarefa hercúlea.

Se os psicólogos intervenientes (Marcelino Mota, Diva Fernandes e Saul Neves de Jesus) e a formadora de desenvolvimento pessoal (Sofia Henriques) tenderam a colocar a solução nas estratégias anti-stress por parte dos professores, isto é, no indivíduo (Marcelino Mota contemplou também outras dimensões de responsabilidade coletiva), o sociólogo Carlos Alberto Gomes e o docente Nélio Sousa alertaram que o problema reside, sobretudo, nas causas do stress.

Até porque a intensidade e continuidade dos mecanismos stressores, por mais técnicas anti-stress que tenha o docente, vai acabar por deixá-lo maltratado e mesmo esmagá-lo. Um bom kit anti-stress individual é sempre útil, ajuda a combater os sintomas da doença, mas não resolve nem extirpa a causa da doença. E o stress torna-se crónico face à erosão da capacidade de coping (lidar com exigências externas ou internas que sobrecarregam ou excedem os recursos da pessoa).

 

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Tarefa hercúlea

Combater o forte desgaste e desânimo generalizado na classe docente é uma tarefa difícil e complexa. Individualmente não é possível enfrentar essa onda de proporções avassaladoras e multidirecional com que os professores hoje se debatem. É preciso haver organização e resposta coletivas.

A sociedade dita pós-moderna da liberdade ilimitada e da implosão das referências, hierarquias, verdades e valores antes tidos como estruturantes (e que asseguravam uma ordem assente nos ideais iluministas ancorados no poder da razão para o progresso humano), coloca desafios nunca antes vistos. Ainda por cima em plena crise socioeconómica e cultural, o que acentua o elemento mudança, bem como a ambiguidade e a transitoriedade.

Carlos Alberto Gomes, professor doutor de sociologia da Educação da Universidade do Minho, que encerrou as intervenções no seminário, falou de “Guerra e Paz na Sala de Aula”, decorrente do seu extenso trabalho de investigação em contexto de sala de aula nas últimas décadas. Referiu que há um cocktail sociocultural e histórico na base do mal-estar docente, que agora é transversal e já não distingue escolas ou zonas do território.

Os professores sofrem «expetativas e pressões de todos os lados», num trabalho «colossal e altamente complexo», para além da «esquizofrenia» desse trabalho devido à variação que sofre de uma aula para a outra.

 

1_DSC08037Carlos Alberto Gomes, professor doutor de sociologia da Educação da Universidade do Minho

 

Problema de civismo e educação

Explicou que aos alunos interessa é desenrascar-se e sobreviver, centrando-se em ter uma estratégia para cada professor e a escola como instituição é como se não existisse. Esse salve-se quem puder terá um preço e consequências nefastas na sociedade, notou. Não tem dúvidas que, atualmente, o problema é «cívico e de educação». E incentivou os professores a recusarem ser «domesticadores».

Considera que o desafio na escola atual é «construir a unidade na diversidade», isto é, sermos mais eficazes e assumir «estratégias de forma coletiva». Porque a sociedade e a escola portuguesas mudaram muito nas últimas décadas. Numa sociedade que é agora narcísica, hedonista, individualista, de cada um a estar na sua (“my way” e “be yourself”), em que se relevam mais os direitos do que os deveres.

E salientou: «este tipo de liberdade, no limite, impede qualquer tipo de ensino». A cultura pós-moderna de «gratificação permanente não aceita qualquer restrição», em que é «quase proibido proibir», e isso chega à escola, em que o aluno quer estar na sala de aula como está no bar e noutros contextos. E não pode ser, porque a «escola requer uma atitude especial» e difere do bar ou da praia. Os «limites» (disciplina) têm de ser «articulados com a liberdade individual».

Defende, por isso, que é preciso «ordem democrática», com «firmeza e diálogo», com responsabilização dos pais e alunos, sendo a indisciplina um «problema de toda a sociedade». Porque os jovens querem ver nos adultos uma segurança, uma referência. Aconselhou: «deixar voar, mas com controlo remoto», isto é, com supervisão e acompanhamento pelos adultos.

Mudar a escola, a pedagogia e modelo de relação

Se fosse para dar uma receita, Carlos Alberto Gomes diria que é preciso «mudar a escola, a pedagogia e o modelo de relação», mas reconhece que com determinadas condições de trabalho nas escolas impede que os professores tenham tempo para inovar pedagogicamente. Porque são precisas condições objetivas e reais e a inovação individual (voluntariosa e não coletiva), apesar de meritória, «dá cabo de nós».

Daí remeter para a dimensão política e a ação coletiva para criar essas condições de trabalho aos professores no que toca a horários, número de alunos e turmas por docente, programas, entre outros fatores, que são decididas a nível político, fora da escola. Incentivou mesmo um «grito de revolta» na defesa de um certo tipo de escola e não se ficar apenas pela reivindicação de tipo sindical no que toca a carreiras e salários. A mudança na escola tem de contar com o apoio político e social.

O professor da Universidade do Minho começara a sua intervenção com um enquadramento sobre a escola, os professores, os alunos e o País. Alertou para as mudanças sociais, culturais e tecnológicas entretanto ocorridas.

 

DSC07944Marcelino Mota, psicólogo clínico, especializado em terapia comportamental e cognitiva

 

Exposição intensa e continuada ao stress

Marcelino Mota,  psicólogo clínico, especializado em terapia comportamental e cognitiva, abordou o stress como mecanismo de sobrevivência e como transtorno de vida. Após explicar a fisiologia e as consequências do stress, referiu que a situação de stress intensificada, prolongada e que não se resolve conduz à exaustão e ao burnout. A profissão docente é das mais afetadas pela exposição continuada a fatores de stress, que estão para além das aptidões pedagógicas em que receberam treino os professores. Estudos apontam que 30% dos professores apresentam elevados níveis de burnout.

Integrada no grupo das profissões de stress, a profissão de professor, particularmente a associada ao ensino básico, em todos os ciclos, e ao ensino secundário, é penalizada por: 1. Sofrer de elevada intensidade e frequência de estímulos stressores; 2. Enfrentar difíceis condições laborais, sentir falta de reconhecimento ou até desvalorização do seu trabalho e ter excesso de carga horária; 3. Viver uma elevada responsabilidade para com terceiros; 4. Obter poucas consequências positivas na atividade, que façam reverter os efeitos dos agentes fisiológicos do stresse (quando existem são em diferido). Esta ausência de retorno não ajuda a compensar o stress. E concluiu que os professores só não fazem o pleno dos fatores que provocam stress porque, por enquanto, não parecem correr riscos de morte.

Refundação da escola como uma família

No que toca a soluções, no caso da indisciplina a punição tem de ser imediata, para não haver o seu reforço, e defendeu a refundação da escola como uma família, com solidariedade, ambiente de interajuda e capaz de compensar aquilo que as famílias não desempenham nos dias de hoje devido a fatores sociais.

Marcelino Mota alertou ainda para a necessidade da responsabilização dos pais, revalorização dos professores, estabilização dos programas pedagógicos e renovação dos quadros por via da antecipação da aposentação dos professores.

 

DSC07898Nélio Sousa, professor do 3.º Ciclo e Secundário

 

Realidade nua e crua como base para a ação

O seminário arrancara com a introdução do tema feito por um professor, Nélio Sousa, uma voz do terreno, sobre a realidade vivida pelos professores. Depois de ter morto a esperança que adia, ilude e promete para o futuro, em favor da realidade que age, realiza e faz no presente, o docente deu conta dos principais fatores de stress vividos pela classe, depois de ter auscultado diversos colegas de todos os setores de ensino.

Começou pelos aspetos mais gerais como a erosão identitária e material dos professores, ao longo dos anos, e diversas tensões, incoerências e contradições na profissão, como por exemplo a desvalorização social dos docentes mas, simultaneamente, a exigência, pela mesma sociedade, de um professor faz-tudo, consegue-tudo e cura-tudo.

Foram depois abordados os fatores de stress mais específicos: a dispersão funcional (o professor canivete suíço); a precariedade (instabilidade, desemprego, baixa de salários); o agravamento das condições de trabalho; o ambiente de conflitualidade e pouca ética nalguns casos; a proliferação de reuniões (pouco produtivas); a proliferação de atividades extracurriculares; o cargo de diretor de turma e contacto com os encarregados de educação; o ruído dentro e fora da sala de aula; o número de níveis, turmas, alunos e extensão dos programas; pressão para apresentar resultados escolares positivos; substituição de colegas de baixa ou licença em cima do seu horário; a avaliação constante da ação do professor; a burocracia e, no topo, a indisciplina. Este stressor número um ganha uma intensidade particular porque acontece em sala de aula, todos os dias, durante o processo de ensino-aprendizagem.

Terminou aconselhando a congregação de vontades (dentro de fora da classe docente) e a atuação sobre a realidade e os problemas, para os solucionar e até para contrariar aqueles que, do topo à base do sistema de ensino, negam e iludem os problemas.

Alertara, inicialmente, que não faria um choradinho vitimizador nem escamotearia a realidade. Um discurso que teve tanto de mobilizador para a ação como de “assustador” (e escapista) face à onda avassaladora que os professores enfrentam. «Do silêncio faço um grito» foi o título criativo da sua preleção, um verso de um fado de Amália (e “Voz ao silêncio e solidão na profissão docente” a designação formal).

 

DSC07958Saul Neves de Jesus, professor catedrático de psicologia da Universidade do Algarve

 

Mais stress e menos controlo

Feita a identificação do problema do mal-estar docente, Saul Neves de Jesus, professor catedrático de psicologia da Universidade do Algarve, deu conta dos efeitos negativos permanentes nos professores, em resultado das condições psicológicas e sociais em que exerce a profissão. Isto numa sociedade em que há um excessivo pessimismo, com os objetivos e resultados a depender cada vez menos da ação e esforço da própria pessoa, e um nível de stress cada vez mais elevado.

Lembrou que, em 1996, um estudo demonstrou que 51% dos professores queriam deixar de exercer a profissão, o que deixa adivinhar o aumento que existirá, vinte anos depois, decorrente da forte erosão social, identitária, material e das condições de trabalho da classe docente. A dificuldade da gestão dos comportamentos na sala de aula é um dos fatores de mal-estar que afetam diretamente o trabalho do professor.

 

DSC07967Diva Fernandes, psicóloga e formadora na área da Psicologia da Educação

 

Burnout e dicas anti-stress

A encerrar o primeiro dia de seminário, a psicóloga Diva Fernandes, formadora na área da Psicologia da Educação, abordou “O burnout na prática docente – prevenção, avaliação e intervenção”. O excesso e sobrecarga de trabalho e os conflitos interpessoais são as principais causas de burnout, mas também a falta de apoio dos colegas e supervisores, entre outras.

O burnout caracteriza-se pela exaustão emocional, despersonalização e baixa realização pessoal. Deu ainda conta de estudos em Portugal sobre o problema em diferentes profissões, em que se prova que 30% dos professores apresentam elevados níveis de burnout.

 

2_DSC07985Sofia Henriques, educóloga, coach e formadora na área do desenvolvimento pessoal

 

Sofia Henriques, educóloga, coach e formadora na área do desenvolvimento pessoal na RAM, falou de Eustress e deixou conselhos de como o promover nas diversas áreas da vida. Por exemplo, ter expetativas realistas, equilíbrio entre trabalho e vida pessoal, gerir bem o seu tempo (recusar demasiadas tarefas), sentido de humor, elevada auto-estima, ser assertivo, comunicar de forma clara, precisa e eficaz, ter espaços de lazer e relaxamento, estar com pessoas afetivamente mais próximas, atividades em contacto com a natureza, colocar entusiasmo em tudo o que se faz.

 

DSC07841Francisco Oliveira, coordenador do SPM

 

Manifesto de combate ao desgaste na profissão docente

Após um período de debate e de construção coletiva de propostas de ação, isto é, medidas concretas a tomar de combate ao stress na profissão docente e melhoria das condições de trabalho na escola e sala de aula, foi apresentado pelo coordenador do SPM, Francisco Oliveira, um manifesto reivindicativo que materializa um programa de luta contra o desgaste profissional na profissão docente.

O encerramento do seminário/formação foi feito às 13h30 do dia 16 de julho por Micaela Santos, diretora do Centro de Formação do SPM./NS

 

DSC07977Micaela Santos, diretora do Centro de Formação do SPM

Manifesto de combate ao stress e desgaste na profissão docente

Fotografia (Miguel Ganança/Nélio Sousa)

 

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