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Saudades da escola

Estar em casa nas atuais condições é estar preso, sobretudo se o dia é passado à frente do computador

Todos os dias somos confrontados no Sindicato dos Professores da Madeira com relatos de colegas desesperados com as dificuldades de dar resposta às exigências da escola à distância. Para além das particularidades de cada caso, há um aspeto comum que se destaca: a vontade de regressar, efetivamente, à escola, ao contacto físico e à interação com os alunos, ou seja, ao trabalho normal de qualquer professor. Todos confirmam o que já se sabia: não há escola como a da escola.

Na verdade, não está a ser nada fácil a vida de um professor ou educador em tempo de Covid-19, ao contrário do que pensa quem está por fora. Infelizmente, a tendência é para análises superficiais, condicionadas, ressabiadas e assentes num aspeto que deveria levar, imediatamente, ao seu descrédito total: o desconhecimento de causa. A objetividade e o rigor deveriam ser o critério primordial da propagação da informação, mas não, o contexto é propício à multiplicação dos vírus, não só do Covid-19, mas também dos vírus informativos, ou melhor, pseudoinformativos. O contexto é favorável à compaixão pelos mártires (os profissionais de saúde) e à condenação dos supostos parasitas, entre os quais costumam ser destacados os professores, que se diz estarem em casa sem fazer nenhum.

Que ligeireza de análise a dos que não veem a sociedade como um todo, onde o mal de uns é o mal dos outros! Todos sofremos com esta pandemia. Ninguém está por prazer em casa. Nada é bom quando não resulta da nossa liberdade de opção, mas de uma imposição externa. Gostamos de estar em casa quando queremos, não quando nos obrigam.

Estar em casa nas atuais condições é estar preso, sobretudo se o dia é passado à frente do computador, a preparar videoaulas ou materiais didáticos, a corrigir trabalhos dos alunos, a ter formação em ensino à distância, a explorar plataformas de videoconferências ou programas específicos… enfim, tantas, tantas tarefas. Mais prisão se torna para milhares de professores que têm de conjugar todas aquelas atividades com o acompanhamento dos filhos, também eles em ensino/educação à distância; filhos que têm problemas, filhos que estão desesperados por não poderem sair, filhos que têm saudades dos amigos, do desporto, das suas atividades preferidas… da liberdade, da liberdade, da liberdade.

A vida está difícil para todos e mais difícil poderá ficar se a nossa opção for virar uns contra os outros, aplaudir os que têm, sem dúvida nenhuma, feito um excelente trabalho na luta contra o Covid, mas espezinhar os outros. A experiência diz-me que, passando a crise, rapidamente serão postos de lado os sentimentos nobres – o reconhecimento, a gratidão a quem esteve na 1.ª linha da luta; a compaixão e solidariedade com quem ficou sem emprego ou foi para lay-off – e, pelo contrário, reforçados os sentimentos menos nobres, com a inveja à cabeça.

Se não formos inteligentes e criticamente sérios, a grande vitória do vírus será o reforço do lado desumano da humanidade.

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